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terça-feira, 13 de outubro de 2015

Livro A Epopeia do Acre e o abusos da história no Movimento Autonomista & no Governo da Frente Popular (Eduardo Carneiro)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A concepção conservadora da História [...] é a defesa intransigente das classes dominantes e a exaltação dos grandes estadistas [...] a concepção conservadora ensina o conformismo e diz sempre amém aos poderosos [...] a história conservadora do Brasil é sempre a história dos vencedores.
(RODRIGUES, 1988, p. 1, 5 e 6).

A memória histórica constitui uma das formas mais poderosas e sutis da dominação e da legitimação do poder.
(Dilma Paula, In: FENELON, 2004, p. 43 e 144)

Espero que o leitor tenha compreendido o porquê da versão epopeica da história do Acre ter prevalecido. Ela não se tornou hegemônica por acaso. Como foi mostrado, a história “espetáculo” serviu para promover as causas de grupos de interesse e foi fundamental para despertar lapsos de sentimentos de ufanismo, otimismo e alienação coletiva nos acrianos.
A utilização política do passado e a manipulação da história foram comuns no Acre. A riqueza de exemplos e a quantidade de material acumulada durante a pesquisa nos forçou, por questão de espaço, limitar a análise a dois casos específicos, quais sejam, o do Movimento Autonomista e o do governo da Frente Popular. A escolha dos dois não foi aleatória, acreditamos que ambos foram modelares na criação de “mitos políticos”, pois conseguiram transformar os seus interesses particulares em causas populares.
Como já foi visto, o “mito político”, segundo Cassirer (2003), é uma técnica de alienação coletiva provocada pela invenção e repetição de discursos históricos, culturais e publicitários que manipulam a opinião pública em favor de propósitos político-partidários. O Movimento dos Autonomistas e a Frente Popular do Acre também mobilizaram “mitos políticos”, aqui chamados, no caso mais recente, de política simbólica.
No Acre, com o passar do tempo, as manipulações da história foram aumentando em quantidade e em qualidade. No caso da Frente Popular, como foi visto, elaborou-se uma narrativa histórica cuja a saga acriana culminasse na ascensão do PT ao governo do Estado em 1999. Dessa forma, a vitória eleitoral do PT assumiu um significado similar a dos “grandes eventos” do passado acriano.
Através dos exemplos dados nesse livro foi possível constatar como o poder simbólico da linguagem é empregado para construir e conservar “verdades” supostamente históricas. Ao fazemos uma análise apurada de algumas das afirmações feitas pela historiografia oficial, constatamos que sua força de evidência não passa de um efeito de sentido inventado para sustentar os interesses do establishment acriano. Nossas autoridades precisam entender que o povo acriano não necessita de epopeia, muito menos de heróis, o que ele carece é de uma educação de qualidade, compromissada com uma conscientização política emancipatória do cidadão.
Nunca devemos esquecer que a mesma narrativa epopeica que embelezou os acontecimentos inaugurais do Acre, foi a mesma que converteu a história desses acontecimentos em um mito fundador. O ufanismo acriano é produto de uma certa memória do passado e não exatamente da história desse passado. A “memória do vencedor”, como já foi dito, é sempre de autopromoção. Ela imortaliza a versão desejada dos fatos e não os fatos propriamente ditos. É aquilo que Ricouer (2007, p. 98) chama de “ideologização da memória”, ou seja, é o abuso da memória (Cf. RICOEUR, 2011, p. 73).
Termino dizendo que é melhor aproximar a história da verdade e ter uma sociedade mais lúcida e consciente dos seus erros e limites; do que aproximar a história da mentira e produzir uma sociedade surtada que não sabe distinguir o fato da ficção. É por isso que defendo um ensino mais sincero da história do Acre, pois prefiro provocar feridas narcisistas no “eu” acriano e ter dele uma imagem mais próxima do real, do que tomar um “doping” de acrEanismo todas as vezes que desejar sentir orgulho de um “eu” acriano que não existe. E você estimado leitor, o que prefere?


MUITO OBRIGADO PELA LEITURA!!!!




Rio Branco, fevereiro de 2017.

Introdução do livro "A epopeia do Acre e a manipulação da história"

INTRODUÇÃO

O primeiro dever do historiador é dissipar a ilusão fundadora e finalista que funde o imenso acontecimento, seus atores e seus herdeiros.
(FURET, 1989, p. 132, grifo nosso).

Nosso percurso, caminha na direção inversa: partimos da história e vamos em direção ao mito – o modo como o acontecimento é manipulado pela(s) memória(s) [...] o modo como a memória se apropria da História para neutralizá-la ou torná-la mito [...] A memória é, portanto, manipulada em nome de um projeto de futuro no qual o patrimônio cultural serve de caução simbólica.
  (MONTERO, 1996,
p. 15, 16, 21 grifo nosso).

Este livro faz parte de uma hexalogia sobre a formação histórica do Acre, que é composta pelas seguintes obras: A formação da sociedade econômica do Acre: “sangue” e “lodo” no surto da borracha (1876-1914); A fundação do Acre: uma história revisada da anexação (fase invasiva, fase militar & fase diplomática); A epopeia do Acre e a manipulação da história no Movimento Autonomista & na Frente Popular do Acre); “Acreanidade” e as comemorações cívicas (do Movimento Autonomista ao Governo da Frente Popular); O discurso fundador do Acre e a invenção do heroísmo e do patriotismo acriano; e O Acre é do Amazonas! Uma análise histórico-discursiva dos textos de Rui Barbosa.
Apesar de ter sido publicado primeiro, este livro é, na verdade, uma continuação de O Discurso Fundador do Acre, que tem lançamento previsto para o primeiro semestre de 2016, e que ambiciona estudar as condições de produção do discurso que inventou a anexação do Acre ao Brasil como um evento épico. É como se este livro fosse um segundo volume de O Discurso Fundador do Acre, pois enquanto esse explicará a emergência da manipulação da história operada pelos líderes e defensores da Questão do Acre, a obra que o leitor tem em mãos analisa a reprodução dessa “história espetáculo” pelo Movimento Autonomista e pelo Governo da Frente Popular.
A reprodução do discurso fundador do Acre pelo establishment acriano foi o que consagrou a manipulação da história como verdade. Certamente não fizeram isso gratuitamente, pois da mesma forma que os promotores da “Revolução” inventaram o discurso do heroísmo e patriotismo acriano para justificar a nacionalização do Acre, os autonomistas nas décadas de 1900 a 1960 e os petistas de 1999 até hoje também fizeram e fazem uso político do discurso histórico para promoverem suas causas, seus partidos, suas lideranças e, acima de tudo, angariarem a simpatia do povo.
Obviamente que o discurso fundador sofreu “deslizes de sentido” ao longo do tempo. Todos aqueles que se disseram seguidores e porta-vozes dos heróis da Idade de Ouro acabam por atualizar a carga simbólica e mítica dele conforme os interesses em voga no tempo presente. Tanto os principais líderes do Movimento Autonomista quanto os da Frente Popular se posicionaram como continuadores da “Revolução Acriana”. Com isso, incluíram-se na narrativa epopeica, cingindo suas causas com a mesma aura mítica que envolveu o evento fundador.
Esse livro, portanto, não tem a pretensão de explicar a origem da manipulação da história do Acre, pois isso será feito em um livro a parte, o que queremos aqui é mostrar como essa manipulação ganhou o status de evidência histórica. A versão da anexação do Acre dada pelos líderes da “Revolução Acriana” poderia ter sido contestada, afinal, a história contada pelos vencedores sempre está coagida pelo etnocentrismo e pelo autoelogio. Então, como ela sobreviveu? Por que ela ainda é hegemônica até hoje, mesmo com todo conhecimento acadêmico que se tem atualmente?
Já mostramos A formação da Sociedade Econômica do Acre que a fundação do Acre nada teve de “gloriosa” ou “deificadora”, pelo contrário, foi marcada por patologias sociais, dentre as quais, a prática regular de crimes. Mesmo assim, a memória coletiva acriana está povoada por “lembranças” de uma apoteose inaugural que, na prática, nunca existiu, a não ser nos textos literários e nas narrativas da história oficial. A versão epopeica sobreviveu porque ela foi a que melhor se adequou aos interesses do establishment acriano, que adulterou o passado, para melhor controlar o presente.
Esse livro evidencia o jogo de interesse que havia entre as lideranças do Movimento Autonomista e as do Governo da Frente Popular, quando ambos optaram por incorporar em seus discursos a versão epopeica da história do Acre. Promoveram festas cívicas, defenderam o acrianismo, inauguraram museus e construíram monumentos, tudo pautado na manipulação da história.
A manipulação da história acontece quando se produz, de modo premeditado e intencional, um equívoco interpretativo de um dado acontecimento com o fim de garantir alguma vantagem simbólica para uma pessoa, grupo social ou instituição. Portanto, a manipulação tem a ver com uma postura antiética e desonesta. Ela não é meramente o produto de uma ação irresponsável, pois há quem produza um equívoco histórico por incompetência, ignorância, má formação ou negligência no trato com as fontes. Os exemplos dados neste livro têm a ver com um projeto político de utilização do passado, que promove determinada causa mediante o engano ou representação equivocada ou um julgamento inconsequente da história (Cf. BAETS, 2013; FINLEY, 1989; MACMILLAN, 2010).
O primeiro capítulo trata da questão teórica que envolve o conceito “manipulação da história”. O segundo estuda as manipulações da história praticadas pelos líderes do Movimento Autonomista acriano. Já o terceiro capítulo analisa as manipulações da história operadas pelos líderes da Frente Popular durante os primeiros dez anos do governo estadual.

Essa hexalogia que propomos é uma tentativa de “desacrianizar” a história do Acre, pois ela é muito ufanista e megalomaníaca. Nela os fatos aparecem “embelezados” a fim de provocar orgulho coletivo. Precisamos criticar a história oficial de todos os lados para que, ao final, se tenha uma narrativa mais sincera do que aconteceu. Desejo a todos uma ótima leitura.